Prof. Dr. Luzimar Teixeira
Universidade de São Paulo - USP
Instituto Punin de Informação e
Referência em Asma - INSPIRA
lrteixei@usp.br
1 O que é asma?
Resposta:
Asma é uma doença crônica e de caráter recorrente que acomete as vias aéreas tornando-as hiperirritáveis e hipersensíveis. Mais do que uma simples doença, a asma é uma reação das vias aéreas à lesão causada por diversos agentes. A mucosa respiratória, uma vez agredida por um agente (poluição, cigarro, alérgenos, etc.) envia um sinal para medula óssea para que esta produza células especiais de defesa. A medula óssea interpreta este sinal como se o aparelho respiratório estivesse sendo invadido por parasitas e manda células especiais que provocarão um processo inflamatório nas vias aéreas (brônquios). Este processo inflamatório é o responsável pelos sintomas da asma. Ele ocasiona edema (inchaço) da parede interna dos brônquios e diminuição de luz dificultando a passagem do ar. Os músculos que circundam os brônquios ficam hipersensíveis contraindo-se a qualquer estímulo. A contração destes músculos (broncoespasmo) pode acentuar ainda mais a obstrução dos brônquios.
2 Como funciona nosso aparelho respiratório?
Resposta:
A principal função dos pulmões é prover uma superfície ampla para que o oxigênio do ar possa difundir-se para o sangue e ser levado às outras partes do corpo. Ao mesmo tempo, o gás carbônico produzido pelas células do corpo é trazido pelo sangue venoso e expelido para fora durante a expiração. O ar entra pelo nariz onde é umidificado, aquecido e filtrado para não danificar as vias aéreas inferiores (brônquios e bronquíolos). É posteriormente conduzido até a traquéia e brônquios. Estes vão se ramificando em tubos cada vez mais estreitos, curtos e numerosos até chegarem aos alvéolos, onde ocorrem as trocas gasosas. O pulmão é semelhante a uma esponja e é constituído por milhões de sacos aéreos chamados alvéolos. Estes são formados por uma membrana de células delicada e fina que separa o ar do saco aéreo de uma rede de vasos sangüíneos.
Além desta superfície de trocas gasosas, existe um sistema de tubos (traquéia, brônquios e bronquíolos) que leva o ar do meio ambiente para os alvéolos e vice-versa. A maior parte das vias aéreas é circundada por uma faixa de músculo, que tem uma função protetora, de maneira que, se um gás potencialmente tóxico é inalado, esta musculatura se contrai para impedir sua entrada nos pulmões. Todos nós experimentamos certa dificuldade em respirar e às vezes, tossimos frente a um ar muito poluído, fumaça ou ar muito frio.
As crianças asmáticas diferem das normais por terem esta tendência exacerbada apresentando chiado ou tosse frente a condições inócuas para o indivíduo normal.
3 A asma é hereditária ?
Resposta:
Sabemos que a asma e outras doenças alérgicas como eczema e rinite são mais freqüentes em crianças com pais ou parentes próximos alérgicos (portanto, herdada por fatores genéticos). Uma criança com história familiar positiva para asma tem maior probabilidade de desenvolver a doença. Por outro lado, muitas crianças asmáticas não têm antecedentes familiares.
4 - O que é um alérgeno?
Resposta:
Entende-se por alérgeno toda substância capaz de desencadear uma reação alérgica. No caso de asma, os alérgenos penetram através das vias respiratórias (inalados) e/ou digestivas (ingeridos). Após alguns minutos do contato com o alérgeno,a criança asmática apresenta chiado. O quadro de falta de ar melhora dentro de duas horas, porem algumas vezes, é seguido por uma crise tardia (seis horas após a exposição). No dia seguinte, suas vias aéreas estão mais sensíveis do que normalmente e este aumento de sensibilidade pode durar duas semanas. Hoje, sabemos que a reação tardia é causada pelo aumento do processo inflamatório das vias aéreas. Portanto, uma exposição contínua a um alérgeno leva a uma inflamação persistente das vias aéreas e piora dos sintomas . Evitar o contato com os alérgenos é de vital importância no controle da asma.
5 - O que acontece com as vias aéreas durante uma crise de asma?
Resposta:
Na crise de asma as vias aéreas ficam parcialmente obstruídas dificultando a livre passagem do ar Para conseguir movimentar o ar pelos brônquios estreitados, a criança precisa fazer um grande esforço respiratório, que leva a um quadro de canseira e falta de ar. Esta obstrução é causada por três fatores.
* O músculo que circunda a parede do brônquio se contrai;
* A parede do brônquio inflama e incha;
* Uma quantidade excessiva de muco espesso é produzida.
6 - O que desencadeia uma crise de asma?
Resposta:
Nas crianças pequenas, até três anos de idade, as infecções virais de vias aéreas superiores (resfriados, gripes e infecções de garganta) são os fatores desencadeantes mais freqüentes. E não há como impedir que a criança contraia gripes. Antibióticos não oferecem proteção e não há vacina eficaz frente ao grande número de vírus que a criança pode entrar em contato. Nestes casos, a inflamação que acompanha a infecção é responsável pelo quadro de chiado.
A alergia tem um papel importante na criança maior. Entre alérgenos mais comuns podemos citar: o pó doméstico (ácaros), fungos (bolor), penas, pelos e descamações de animais de estimação, piretro (substância contida em inseticidas e ceras), lã, paina, capim e pólen de plantas.
As substâncias irritantes de vias aéreas também são nocivas: poluição, fumaça desinfetantes, perfumes, produtos de limpeza e em especial a fumaça de cigarro.
Fatores emocionais podem agir como desencadeadores ou agravantes dos sintomas. É comum os pais referirem que seus filhos pioram em épocas de provas, situações de estresse problemas familiares.
Certos alimentos principalmente os industrializados que contêm corantes e conservantes, medicamentos (ácido acetilsalício e os antiinflamatórios não esteróides) também podem ocasionar sintomas.
A mudança brusca de temperatura (mudança de tempo, friagem e ingestão de alimentos gelados) são freqüentemente relacionados no início de uma crise.
Eventualmente, não conseguimos identificar qualquer fator desencadeante por mais que procuremos. Dizemos que as crises são desencadeadas por causa desconhecida.
Em resumo, podemos dizer que são muitos os agentes desencadeadores de crise asmática e que a criança pode ser sensível à vários agentes ao mesmo tempo, tanto agora como no futuro . Portanto, ela não deve ser exposta a substâncias potencialmente alergênicas desnecessariamente. É interessante lembrar que fatores não alérgicos também desencadeiam crise em crianças portadoras de "asma alérgica". Muitos pais, ansiosos em prevenir uma crise em seu filho, procuram um fator desencadeante único ou uma alergia específica, de modo que, afastado tal agente resolveriam o problema de seu filho. No entanto, isto raramente é verdadeiro.
7 - O que é broncoespasmo induzido por exercício (BIE) ?
Resposta:
Algumas pesquisas relatam que os exercícios físicos são provocadores de BIE em 80 a 90% dos asmáticos. Porém, nem todas as atividades físicas geram este tipo de reação. Diferentes exercícios, em diferentes intensidades provocam diferentes magnitudes de crises.
Os exercícios podem ser classificados em mais asmagênicos (mais provocadores de crises), como a corrida, e menos asmagênicos como a natação, por exemplo. O exato mecanismo responsável pelo BIE é incerto, sendo que o resfriamento e ressecamento das vias aéreas na atividade física parecem ser fatores preponderantes. Chama-se a atenção para a importância da respiração nasal durante as atividades físicas.
O BIE é caracterizado por uma queda de 10 a 15% no fluxo expiratório máximo. Ocorre com a duração do exercício entre seis a oito minutos e intensidade de trabalho de aproximadamente dois terços do consumo máximo de oxigênio (freqüência cardíaca de 170 a 180/min para crianças). A resposta ao exercício aparece alguns minutos após cessado o esforço e se reverte após aproximadamente, 60 minutos. Na maioria dos indivíduos, o BIE consiste em uma única crise de rápido início e recuperação. Alguns podem desenvolver uma reação tardia (quatro a dez horas após o exercício).
8 - As alterações torácicas e posturais são causadas pela asma ?
Resposta:
A mecânica de funcionamento do tórax (mecânica respiratória) é importante e as alterações respiratórias, segundo sua origem, podem modificar essa mecânica e/ou funcionamento fisiológico do pulmão. Por sua vez, as alterações torácicas podem ser causadas pelas alterações nessa mecânica, dependendo da gravidade, podem significar uma diminuição nas possibilidade respiratórias.
Assim, problemas de ordem respiratória predispõe o organismo a doenças e deformidades. As alterações respiratórias podem refletir diretamente na forma do torax. Podem provocar deformidades em decorrência , por exemplo, da ausência de ar em determinadas áreas pulmonareas causada por obstrução das vias aéres , o que leva a retração das costelas. Devido a sua forma e elasticidade, necessárias para sua função, o torax é facilmente deformavel. Isto explica porque as deformidades torácicas são mais freqüentes. As doenças pulmonares obstrutivas provocam hiperinsuflação pulmonar, aguda nas crises, mas que pode se tornar crônica. A repetividade das crises com o aumento de volume residual vai dando ao tórax a característica do padrão respiratório assumido.
São várias as alterações torácicas e distintas as origens, sendo as mais comuns: hemitórax escoliótico, depressões submamilares, tórax em quilha, tórax em tonel, tórax infundibular.
As alterações do tronco também são as causas de alterações na mecânica respiratória. Essas alterações, segundo sua origem, podem modificar a mecânica respiratória e/ou funcionamento fisiológico do pulmão.
A ventilação pulmonar depende da elasticidade pulmonar e amplitude dos movimentos torácicos. O aumento do volume da caixa torácica se deve, em grande parte, ao movimento do diafragma que promove expansão do tórax em todos os sentidos. Essa expansibilidade é proporcional à amplitude do movimento de elevação das costelas e esta amplitude, por sua vez, depende da posição da coluna vertebral. A melhor expansão se obtém quando a costela atinge o mesmo plano da vértebra na qual está articulada, o que não acontece nas alterações posturais como escoliose e cifose. Assim, a mecânica de funcionamento do tórax é importante por depender em grande parte desse ato mecânico. Neste sentido, as atividades físicas devem ser orientadas para prevenir ou evitar o agravamento dos devios posturais já instalados.
9 - Por que é importante a reeducação respiratória?
Resposta:
Um fator limitante para as atividadess físicas do asmático é a rigidez torácica. Neste sentido, são recomendados exercícios de desbloqueio torácico com o objetivo de aumentar a mobilidade costovertebral. O desbloqueio torácico é anterior ao trabalho de ginástica respiratória, devido a importância dos movimentos articulares durante a respiração.
Por sua vez, os exercícios respiratórios têm por objetivo melhorar as funções ventilatória e respiratória e evitar o aumento do volume residual.
São também apontados para promover suporte psicológico e diminuição da ansiedade. Para alcançar esta meta é necessária a conscientização dos movimentos musculares durante a inspiração e a expiração, ou seja, reeducação respiratória, com ênfase no trabalho abdomino-diafragmático.
10 - Por que é importante a reeducação postural?
Resposta:
Considerando que as alterações posturais interferem e modificam a mecânica respiratória e que por outro lado as alterações respiratórias interferem e modificam a postura temos na asma um ciclo vicioso com sobreposição de efeitos danosos. Assim, torna-se evidente e necessário um trabalho com exercícios posturais. Este trabalho é baseado na tomada de consciência sobre o controle, manutenção e mudança das posturas corporais. Paralelamente, é preciso dar condições à musculatura para assumir atitudes provavelmente novas. Atingir estes objetivos depende de exercícios de percepção corporal (proprioceptivos), alongamentos, fortalecimento de grupos musculares responsáveis pela manutenção da postura (paravertebrais, abdominais e glúteos) e relaxamentos.
11 Quais os cuidados com a criança asmática em atividades motoras?
Resposta:
Os cuidados a serem observados são:
a) Inspiração nasal, para que o ar possa chegar filtrado e aquecido aos pulmões, evitando assim o resfriamento e o ressecamento das vias aéreas, que são eventos provocadores de crises. Portanto, é inadmissível uma criança asmática realizar atividades físicas com as vias aéreas superiores obstruídas por secreção. Nestes casos, a lavagem dos seios da face é recomendada.
b) Nos casos de asma moderada/grave, sempre que possível a medida do peak-flow deve ser feita no início da aula. Valores inferiores a 20% do previsto para a criança sugerem cuidado ou ainda a necessidade de administrar o broncodilatador.
c) O valor, importância e o objetivo de cada exercício desenvolvido em aula deve ser explicado aos alunos, e incentivando-os a realizá-los em casa pelo menos uma vez ao dia.
d) Observar as condições em que a criança chega na aula (última crise, presença de sintomas, leitura peak-flow).
e) Cuidados com ambiente e material utilizado.
f) Evitar ambientes com cheiro forte, muita poluição, muito frio.
g) Evitar colchões e objetos que retenham pó e cheiro de mofo.
Nas aulas de natação os cuidados são:
a) Evitar extremos de temperatura;
b) evitar correntes de ar. O choque térmico pode desencadear uma crise;
c) Evitar mergulho em apnéia (inspiração bloqueada) mesmo em pequenas profundidades.
Em situações de crise ou pós-crise a secreção brônquica existente pode formar rolhas de catarro. Essas rolhas impedem a saída do ar que se encontra comprimido nos alvéolos. Este ar, expande-se quando da volta à superfície e pode romper o alvéolo.
Quando uma criança apresenta congestão nasal e mergulha, ela pode ter dor de cabeça pela retenção de ar nas cavidades aéreas. Nestes casos, o exercício deve ser suspenso.
Já a submersão com expiração é indicada pois mantém vias aéreas abertas por mais tempo e é capaz de deslocar rolhas de catarro. É por isso que após exercícios respiratórios na água, a criança tem mais facilidade para expectorar.
12 Quais as recomendações para um programa de atividades motoras para crianças asmáticas?
Resposta:
a) Exercícios respiratório (com respiração diafragmática) intercalados nas atividades da aula;
b) Caminhadas explorando suas diversas variações, orientando-se a manutenção da respiração diafragmática durante o esforço;
c) Corridas, que devem ser curtas e sem provocar a perda do controle/ritmo respiratório;
d) Exercícios, chamados posturais, com ênfase no trabalho dorsal e abdominal;
e) Exercícios de quadrupedismo em extensão e alongamento, que são preventivos de alterações posturais/torácicas e promove o desbloqueio torácico.
Referência bibliográfica:
BERNABÉ, A. L. B. C.; TEIXEIRA, L. R., coords. Vencendo a asma: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo, Bevilacqua Ed., 1994. 96p.